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quinta-feira, novembro 11, 2010

30 anos BMW "GS"







Foi em 1980 que a BMW deu um grande impulso à história do seu já então bem sucedido motor boxer. Até à data não havia no mercado nenhuma moto que conseguisse apresentar, em simultâneo, habilitações turísticas e bom desempenho em curva, mesmo quando carregada com passageiro e bagagem, fosse por estrada ou fora dela. Desígnio do destino: nessa altura, a BMW encetava uma reestruturação empresarial que tinha como objectivo relançar as vendas dos seus motociclos, que pareciam ter estagnado após uma década de crescimento.

A concorrência japonesa era então particularmente feroz, e invadia o mercado com levas de novos produtos em cadência acelerada, oferecendo soluções para todas as finalidades, gostos e bolsas.

Por sorte, a nova administração da marca bávara confronta-se com a paixão pelo “fora-de- estrada” de Laslo Peres (um engenheiro do seu departamento de testes). Perez já tinha efectuado, com razoável sucesso, modificações para enduro nos modelos R80/5, /6 e /7 que já apresentavam aptidões especiais para o “fora-de-estrada”.

Munindo-se de um boxer de 800 cc, Perez chegou a fazer alinhar uma moto com apenas 124 kg de peso, no campeonato alemão de enduro, na classe de alta cilindrada, e que, pilotada por Richard Chalber, veio a sagrar-se campeã em 1979. A decisão de manter essa fórmula apurada e testada, veio a consubstanciar-se no dia 1 de Setembro de 1980 numa nova máquina: a R 80 G/S. Um ano volvido, já tinham sido vendidas mais de 6500 unidades desse modelo; o dobro do inicialmente previsto.


Em 1981, Hubert Auriol, aos comandos de uma BMW G/S com preparação de fábrica, venceu o Rali Paris-Argel-Dakar, cumprindo os 10.000 km da prova então no auge da sua popularidade, com três horas de avanço sobre o segundo classificado. Por seu lado, Claude “Fenouil” Morelet, aos comandos de uma outra G/S com preparação de fábrica, consegue um coerente quarto lugar. 

Ainda na mesma edição, um polícia francês, Bernard Neimer, a título privado e com uma BMW de série minimamente preparada, conquistou o sétimo lugar de geral. As vendas da G/S dispararam por todo o mundo, apoiadas por mais vitórias de Auriol no Dakar e na Baja Califórnia em 1983, e por nova vitória no Dakar em 1984 pela mão do belga Gaston Rahier, que ainda foi secundado por Auriol. Rahier ainda venceu a Baja Califórnia desse ano.


Esta dobradinha foi celebrada com o lançamento de uma edição comemorativa da G/S que ostentava orgulhosamente o nome Dakar. Equipada com um depósito de combustível de 32 litros, um assento “solo” mais confortável, porta bagagens e barras de protecção, foi um sucesso de vendas e as primeiras unidades foram entregues aos clientes em finais de 1984, mesmo a tempo da participação na edição de 1985 do Dakar, onde Rahier foi o primeiro participante a chegar ao Senegal, conquistando a quarta vitória da G/S no grande desafio.

Por seu lado, e no mesmo ano, Eddy Hau venceu a Baja Califórnia. O sucesso de vendas levou a que, em Agosto de 87, a BMW apresentasse dois novos modelos: A R80 GS e a R100 GS. Em termos de motorizações, a 80 mantinha o mesmo motor de 798cc que debitava 50 cv às 6500 rpm, enquanto que a 100 utilizava o boxer da R100RS, com 980 cc e que debitava 60 cv às 6.500 rpm. Mas ambas as motos apresentavam uma grande evolução em termos de ciclística.

O novo sistema de transmissão/suspensão incorporado no braço oscilante, batizado de Paralever, veio substituir o menos eficaz Monolever. A forquilha também foi revista, reforçada e passava a dispor de um sistema misto e de maior curso. Outra grande inovação foi incluída nas rodas. As jantes raiadas, com elevada resistência ao impacto devido ao inovador esquema de montagem dos raios, passavam a permitir a utilização de pneus sem câmara-de-ar, e cada raio podia ser substituído de forma independente sem ser necessário desmontar a roda nem o pneu.

O sistema permitia ainda mais espaço para alojar discos e maxilas de maior dimensão. O sub-quadro traseiro, agora maior, apresentava uma maior rigidez e proporcionava espaço para a colocação da bateria. O depósito de combustível apresentava uma capacidade para 26 litros, o assento era mais envolvente e macio, o guarda-lamas dianteiro foi desenvolvido em túnel de vento, e o cárter bem como o colector de escape estavam agora bem protegidos por uma chapa de alumínio.

A imprensa mundial e os clientes renderam-se imediatamente aos “encantos” dos novos modelos. Na Alemanha, a R100 GS foi líder de vendas logo desde o início, apesar do seu preço mais elevado, confirmando como boa a aposta da marca numa maior oferta de potência.

Em 1991 foram introduzidas novas modificações em ambos os modelos. Uma semi-carenagem com farol quadrado (semelhante à da versão utilizada na R100GS) Dakar lançada em 1989, mas acoplada a um depósito “normal” com 26 litros de capacidade), barras de protecção laterais e o painel de instrumentos também da versão Dakar. Como grande novidade apareciam os novos comandos do guiador que permitiam uma fácil utilização, mesmo com luvas grossas calçadas, e um amortecedor traseiro de maior qualidade, com regulação da extensão.
R 1100 GS - 1994

Em Janeiro de 1993 a BMW apresentou ao mundo a nova R1100 GS. Não se tratava de uma remodelação. Era uma moto completamente nova que apenas utilizava os conceitos até então desenvolvidos. Foi esta a moto que se tornou na base das GS actuais. Foi a primeira moto de trail do mundo a possuir, de série, um catalizador e um sistema de ABS. Todos os componentes de plástico passaram a ser etiquetados para uma mais fácil reciclagem. O escape passou a ser completamente em aço Inox deixando assim de ser um “consumível” e as revisões foram alargadas para ciclos de 10.000 km. O princípio básico de um motor boxer arrefecido a ar, com um veio de transmissão embutido no mono-braço oscilante permaneceu inalterado. O motor de quatro válvulas apresentava então 1085 cc, veios de excêntricos colocados lateralmente com a intenção de reduzir a largura total e debitava 80 cv às 6.750 rpm.

Mas a grande novidade estava novamente na ciclística. Na roda da frente era colocada uma nova suspensão: um cruzamento entre uma forquilha e um braço oscilante que foi patenteada com o nome de Telelever. Além da forquilha, bastante menos exigida e portanto mais lave já que apenas servia a direção, foi colocado um braço em “A”, ancorado no motor, assistido por um mono-amortecedor que carrega sobre a roda dianteira através de uma junta esférica que o une à ponte inferior da forquilha.

O resultado foi um aumento de conforto incomparável devido à quase inexistência de afundamento em travagem (mais evidente quanto maior for o curso das suspensões) e a uma enorme capacidade para absorver as irregularidades do piso. O travão da roda da frente foi munido de disco duplo, em consequência de uma velocidade máxima anunciada de 195 km/h. O banco passou a ser regulável em altura, a inclinação do ecrã podia ser regulada, e o guarda-lamas dianteiro duplo passou a ser um elemento de culto.


R 1150 GS
Em Setembro de 1998 aparecem as R1150 GS, uma operação estética da R1100 GS, cujo motor apresentava uma cilindrada de 1130 cc que debitava 85 cv às 6.750 rpm, resultado da utilização dos cilindros e pistões da moto do James Bond, a R1200 C. Uma nova caixa de seis velocidades que também já vinha a ser testada na R1100 S, e uma nova embraiagem mais compacta foram também apresentadas.

Em 2002 é lançada a R1150 Adventure, apresentada como a moto para os “globetrotters”, aqueles que dão a volta ao Mundo pelo menos uma vez!

Ewan McGregor e Charley Boorman, os conhecidos protagonistas da série de episódios do Long Way Round, estavam ambos desiludidos com o facto de a KTM lhes ter negado a parceria para a produção da série, mas isto isto antes de a marca germânica lhes ter estendido a mão e oferecido três motos R 1150 GS especificamente preparadas para o desafio de dar a volta ao mundo.

Retribuiram à BMW em termos de notoriedade, tanto como a grande aventura lhes tinha proporcionado em termos de fama. A série da BBC desenvolveu mais do que as vendas de um modelo de moto: desenvolveu um conceito de aventura que permanece latente no espírito de qualquer motociclista com ambição a viajante.

Em 2004 foi lançada a R1200 GS. Apresentava 98 cv de potência, um binário de quase 12 kgm às 5.500 rpm, 200 kg de peso (menos 30 kg que a sua antecessora) que foi o resultado de um emagrecimento generalizado de todos os componentes. Em pormenor, as novidades residiam numa transmissão mais silenciosa dotada de engrenagens elípticas, em tubos de travão reforçados a malha de aço e na travagem assistida, combinada na manete da roda dianteira que também accionava o travão traseiro.

Em 2005 a BMW apresenta a versão Adventure da R1200 GS. 2007 foi o ano do Long Way Down, a segunda série do programa da BBC que desta vez iria apresentar Ewan McGregor aos comandos de uma R1200 GS Adventure. O “facelift” realizado passou pelo aumento da potência para uns muito dignos 105 cv em consequência da adopção dos pistões e da cambota que vinha a ser utilizada nos modelos R1200 R e RT, mais rotativos pois desenvolviam o valor máximo de potência às 7500 rpm. Um novo guiador mais ergonómico e com um maior leque de afinações foi também introduzido.

Em 2008 fica disponível o Enduro ESA, uma funcionalidade electrónica que permitia ajustar os valores da suspensão de acordo com as exigências do condutor ou as condições do piso.

2010 traz um maior refinamento deste modelo. Duas árvores de cames por cilindro e novas cabeças sobejamente testadas na HP2 Sport, permitiam que o boxer debitasse 110 cv de potência às 7.750 rpm.

Em 2012 é comercializada a edição especial  Rally

Em 2012 é apresentada a versão refrigerada por líquido, mais potente e com uma nova transmissão. A sua apresentação à imprensa mundial está prevista para março de 2013.


As “pequenas” GS

BMW 650 GS Dakar - 2005


Ao longo dos anos foram feitas várias tentativas de lançar no mercado “GS’s” de cilindrada inferior e motores não boxer, para conquistar nichos que viessem a evoluir futuramente para a compra do “verdadeiro” modelo “GS”. Mas o mercado sempre as viu com alguma distância, reconhecendo-lhe apenas méritos de iniciação, e nunca como sendo objectos de desejo.

Foi sempre mais uma relação de: cresce e aparece, num mundo em que, e tendo em conta o sucesso dos modelos “Adventure”, é cada vez mais verosímil a tese de que o tamanho realmente conta!


domingo, novembro 07, 2010

Fakeer See - European Bike Week





Arredores de Salzburgo, Áustria. Madrugada chuvosa. Cabeça ainda meio azoada pelos excessos do serão anterior (dia da viagem e da reunião com os demais colegas jornalistas), e pelas poucas horas de sono.

Pequeno-almoço às sete. Briefing às oito. Vestir o equipamento de chuva. Encontro no lobby do hotel para escolher a montada ainda antes das nove. A chuva insinuava-se.

Os muitos cromados das Harley Davidson que enchiam o parque de estacionamento do Sheraton (creio que havia uma centena delas) apenas reflectiam um esgar da sua graça. Debaixo de um céu cinzento, havia para todos os gostos. Grandes e grossas, esguias e anoréticas. Confortáveis e nem por isso.

Havia que escolher uma companheira para o dia. Gides, Softails… Hummmmm… Senti aquela sensação de miúdo numa loja de doces. Mas com chuva, frio, estrada de montanha, trezentos quilómetros de percurso, hora de chegada prevista tardia, mochila às costas com máquina fotográfica, lentes, roupa seca e objectos pessoais… Hummmmm… Usei a lógica como conselheira.

A Heritage cinzenta foi a eleita! Rodas eficazes, mais leve, mais baixa, grande ecrã, bons faróis! Partida com o grupo de jornalistas Iberos.



As irrepreensíveis estradas austríacas apresentavam-se apenas húmidas. Não chovia. Eventualmente pingava. O alcatrão da “Österreichische Romantikstrasse” seguia pelo meio de um vasto jardim onde nada se apresentava descurado. As cidades impecáveis, limpas, ordenadas. A sinalização de primeira. Os condutores conscientes da sua responsabilidade. As vacas, ex-libris da Áustria, estavam por todo o lado. Por vezes, o seu cheiro também. O ritmo calmo até permitia apreciar a paisagem: Grandes montanhas, muitos lagos, bosques a perder de vista, prados intermináveis. Até quase me esqueci que detesto andar em grupo.

De repente, no meio do bosque, uma cancela. Era o início da Weissenbach, uma estrada privada que nos leva pelo alto vale de Postalm passando pelo Parkplatz Schizentrum até Pilch.

A fome já apertava, por isso a paragem para almoço em Annaberg impunha-se. Entre Wursten, Schnitzel e Strudel os apetites satisfizeram-se. A viagem prosseguiu pela estrada 166. Ignorámos a A10 e seguimos pela 99 que nos presenteou com a passagem pelas estâncias de Ski de Obertauern e por Twenger Talpass até Krems.



Uma pequena paragem numa pequena hospedaria enfeitada com flores permitiu comentar os troços com mais de 15% de inclinação que tínhamos acabado de percorrer. Um cafezinho e um cigarro fizeram o resto.

Já quase ao final do dia entramos na Nockalmstraße. Durante 35 quilómetros os olhos não tiveram descanso. A paisagem é realmente bonita. O fim do dia aproximava-se e o frio fazia-se sentir. O Lago Faak já estava perto, começava a ver-se muitas motos nas estradas, mas não “cheirava” a concentração.




À edição de 2010 do European Bike Week, compareceram 100.000 pessoas em 80.000 motos, ordeira e calmamente, sem supervisão específica das forças da ordem, avançando civilizadamente sem “ratretes” nem “burnouts”, “gazadas” ou “cavalinhos”. A sensação que tive é que estava a entrar em Fátima, num daqueles dias 13. Depois pensei que, afinal, esta até era uma experiência religiosa.


Publicado na Edição nº 234 (Outubro 2010) da Revista MOTOCICLISMO