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segunda-feira, março 09, 2009

Entrevista a Miguel Tiago sobre a "Lei das 125"

Sobre a Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária apresentada pela ANSR – Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que tem estado a ser discutida e que foi alvo de uma conferência no início de Fevereiro de 2009, promovida pela comissão de segurança da Assembleia da República, fui, em nome da revista MOTOCICLISMO, questionar Miguel Tiago, motociclista e deputado pelo PCP, autor do projecto-lei que quer fazer adoptar a directiva comunitária 91/439/CE, o tal que irá permitir a condução de motos até 125 cc, limitadas a 15 cv, pelos detentores da carta B e que está neste momento a ser discutida na generalidade. R. Carmo: Qual a sua opinião sobre esta tão badalada Estratégia de Segurança Rodoviária? Miguel Tiago: Em termos muito gerais, o que se pode afirmar é que esta estratégia, a par com outras medidas e programas que o governo tem anunciado sobre o trânsito, é mais um elemento cheio de generalidades, cheio de metas e objectivos, mas que não se consubstancia em medidas concretas que possam efectivamente vir a mostrar resultados coesos. O governo parte de um erro fatal que consiste em acreditar que é possível manter a política de não diminuir o número de carros a circular, e querer em simultâneo diminuir a sinistralidade rodoviária ou mesmo até só diminuir o número de acidentes. Até porque numa óptica estatística e probabilística, isso não é lógico. Nesta estratégia não estão implícitas medidas que proporcionem uma diminuição no número de automóveis que circulam. Há ideias apresentadas com grande alarido, como a das faixas específicas para os carros a circular com mais passageiros ou um hipotético desconto no preço das portagens, mas sabemos como são as pessoas, pouco sensibilizadas para condicionarem a sua vida em prol de tão pequenas contrapartidas. R. Carmo: Então qual é para si o pior lado desta Estratégia? Miguel Tiago: Está ausente desta estratégia uma verdadeira politica de investimento na estrutura rodoviária e, mais grave, continua o estímulo à utilização do transporte particular, como por exemplo a continuação de construção de auto-estradas, em detrimento do estímulo à utilização do transporte público, nomeadamente ao ferroviário, que seria uma das principais soluções para diminuir o número de viaturas que circulam, e das que entram diariamente na cidade. Relativamente ao incentivo e criação de estímulos para aumentar a utilização de motociclos de forma aumentar a mobilidade nos grandes centros, também podemos verificar que nesta estratégia não existem quaisquer medidas. Resumindo, não se rompe com a estratégia de aumentar o número de aulas de código e exigir mais aulas de condução, que é uma política que já provou ao longo dos anos, não produzir resultados. A solução não está só em colocar a responsabilidade da sinistralidade na formação do condutor. Devia haver um incentivo à utilização dos transportes públicos. Esta estratégia é mais um momento de propaganda do governo, com pouca substância, e apresentada depois da extinção da Brigada de transito! Há muitas incongruências! R. Carmo: E relativamente às inspecções das motos? Miguel Tiago: Genericamente em termos políticos, penso que deveria haver uma forma de controlar todas as viaturas que circulam nas rodovias. Há que assegurar, até em prol do próprio utilizador, que o veículo está em condições e respeita a sua segurança. Mas entendo que deverá ser tida em conta exclusivamente a perspectiva de segurança e não outros interesses nem o simples propósito de extorquir dinheiro aos motociclistas. Mas ainda não há nada concreto. Nem projecto-lei nem nada! Apenas declarações de intenções. Mas seria importante que se avançasse! Até porque não deve haver descriminação aos motociclistas, nem pela positiva nem pela negativa! Os motociclistas devem ser salvaguardados naquilo que é justo, e responsabilizados por aquilo que também é pedido aos demais condutores. Politicamente é difícil de gerir pois vai haver comprometimento de alguns votos, e talvez por isso mesmo é que nenhum governo ainda o tenha feito. R. Carmo: De acordo com a sua experiência política quanto tempo é que iria demorar a por a funcionar as inspecções das motos? Miguel Tiago: Se houvesse vontade politica de o fazer, sem complicações e tendo em conta apenas a perspectiva da salvaguarda da segurança, acho que demoraria dias ao Ministério das Obras Públicas e Transportes para o fazer. Mesmo tendo em conta a articulação com outros ministérios. Mas das duas uma: Ou não há vontade política para o fazer, ou se está a complicar demasiado e qualquer das alternativas não é boa! Porque do ponto de vista técnico-burocrático, quer através de proposta de lei na assembleia, quer directamente através do governo por decreto-lei, é uma matéria relativamente simples de resolver e aprovar! Pode é haver problemas operacionais e não estarem criadas condições para que os centros de inspecção consigam lidar com o problema. Mas sem um enquadramento legal, nem os centros de inspecção sabem que medidas vão ter que tomar! E até mesmo para o mercado, iria seguramente ser uma boa medida impulsionadora! R. Carmo: E não desconfia que no fim disto tudo, e considerando a fama de “aceleras” dos motociclistas, a estratégia se venha a resumir apenas a uma maior caça ao excesso de velocidade? Miguel Tiago: Infelizmente a tendência tem sido essa, diminuir os limites de velocidade e apertar o controlo tem sido a tendência verificada nos últimos anos. Temos o exemplo da CRIL, com perfil de auto-estrada e onde foram aplicados limites máximos de 80/90 km/h para depois com os radares apanharem a “malta toda” ali, e depois ser só facturar. Infelizmente tem-se entendido que esta via de raciocínio vai resolver tudo, mas os resultados têm provado o contrário. A fama do motociclista, é infelizmente criada pelos poucos que se destacam com comportamentos menos próprios, mas que a atenção das pessoas tem tendência a registar como a generalidade, já que os demais passam despercebidos! É como em tudo! Se em determinado local passam por exemplo, vinte motociclistas, há um que provavelmente vai a exceder o limite de velocidade. Mas onde os veículos ligeiros têm a hipótese de circular em excesso de velocidade também o fazem, e nesse caso tenho a certeza que em vinte automobilistas, não vai ser só um a circular fora dos limites. Mas pessoalmente não entendo que haja uma diferença substancial entre o comportamento dos motociclistas na generalidade, e o dos demais condutores. Não vejo nos motociclistas comportamentos que não se verifiquem também nos outros condutores. Por vezes fico é abismado como é que há automobilistas que passam por mim, à velocidade a que passam! Mas lá está, a moto é mais difícil de ver, o condutor de um veículo ligeiro não está habituado a ver motos, a descobri-las no meio do trânsito, e na generalidade não estão sensibilizados para o facto de andarem na estrada veículos mais pequenos que os seus. A moto é difícil de ver, e muitas vezes, nem sequer está alinhada com o retrovisor, por isso temos que reconhecer que é difícil de ver os motociclistas no trânsito. E se os outros condutores não foram sensibilizados para procurar motos no trânsito, eles nunca as vão ver! Mas isso é uma questão de formação! E se houvesse mais motociclos a circular, os condutores dos outros veículos iam necessariamente a começar a tê-los em conta! Seria como a bola de neve, quanto mais motos circularem, mais atentos vão estar os condutores dos outros veículos! R. Carmo: até há um facto incontornável que prova que uma grande percentagem dos acidentes com motociclos, evolvem outra viatura… Miguel Tiago: Sim, e também há dados que provam que na maior parte desses casos a culpa acaba por ser atribuída à outra viatura, o que é revelador do problema e do anátema que existe em relação ao motociclista. Nós sentimos isso diariamente! As pessoas pensam que o motociclista é um tipo tresloucado, que pega numa coisa que dá 200 à hora, ou 250, e que anda aí sempre no máximo! É um conceito que não percebo como nasceu! É um estereótipo como outros que há na nossa sociedade. Há uma tendência genérica para caracterizar determinados grupos com as suas piores características ou exemplos, e no caso dos motociclistas isso é muito evidente! O tal tipo raro, que passa a duzentos e tal à hora, a fazer muito barulho, sem espelhos e sem piscas, e até de luzes apagadas, é esse que vai ficar na memória das pessoas. Infelizmente não se tem feito um grande esforço, nem por parte das autoridades, nem por parte de quem promove os motociclos, em contrariar esta tendência, e prevalece o mito que uma pessoa que anda de moto tem os dias contados, porque mais cedo ou mais tarde, acaba aí num sítio qualquer e por sua própria culpa (ainda por cima a culpa é do motociclista) em vez de haver a consciência que um motociclista anda num veículo mais desprotegido, e que portanto os outros condutores deviam ter mais cuidado com eles! Mas não é isto que se faz passar, é precisamente o contrário: “estes tipos são malucos, e vão acabar aí estendidos!” Infelizmente é isto que acontece! R. Carmo: É um facto que os motociclistas têm má imagem! Quer deixar algum conselho pessoal para contrariar essa tendência? Miguel Tiago: Eu acho que a grande maioria dos motociclistas já tem noção disso, sobretudo aqueles que utilizam a moto como meio de transporte preferencial, e consequentemente comporta-se tal e qual como os demais condutores, com uma atitude perfeitamente normal e cívica. Como conselho, acho que devemos continuar a manter-nos todos imbuídos do sentimento colectivo, conscientes da opinião dos outros, manter a censura a comportamentos negativos e estimular comportamentos positivos. O alargamento dessa consciência colectiva dos motociclistas é a melhor forma de minimizar os actos condenáveis daqueles que por vezes e infelizmente cometem excessos que acabam por manchar a imagem da maioria que circula dentro da legalidade. R. Carmo: Além da Estratégia apresentada pelo governo, há o projecto-lei 635, que quer fazer adoptar a directiva comunitária que irá permitir a condução de motos até 125 cc, limitadas a 15 cv, pelos detentores da carta B. Ainda mantém a esperança de conseguir uma aprovação nesta legislatura? Miguel Tiago: Bem, já assumimos publicamente, que se não conseguirmos um aprovação nesta legislatura que está já muito perto do fim, estamos inteiramente disponível para o reapresentar logo no início da próxima. Mas infelizmente temos que ter em conta a situação porque o país está a atravessar, uma situação grave para a qual esta resolução até poderia significar um contributo, pois podia servir para as famílias encontrarem uma forma de diminuir os custos de deslocação, e para ajudar um nicho do mercado que também está muito afectado com a quebra de vendas, mas também considero que há outras prioridades a que temos de acudir. Mas uma coisa é certa, este documento tem a virtude de convocar todos os partidos para a sua discussão, e mesmo sem agendamento, a discussão do documento já começou no momento em que ele foi apresentado. Há o relatório, o parecer da comissão competente e a nota técnica dos serviços da assembleia. Tudo isso são processos que correm independentemente do agendamento e são passos que têm que ser dados, e serve como uma nota para os restantes partidos, que já tendo em tempos estado de acordo com a implementação desta normativa, tem agora uma oportunidade concreta para assumir a sua posição. Nós somos um partido pequeno, com apenas 11 deputados, e quantos mais deputados subscreverem esta proposta, mais probabilidade teríamos que ela fosse agendada. Eu tenho esperança que quer seja nesta ou na próxima legislatura, a proposta seja aprovada, até porque cada vez são menos os motivos para não o fazer! E tenho esperança porque, aparte de ter sido um projecto-lei promovido pelo meu partido, e por mim pessoalmente, tenho esperança na capacidade que os motociclistas portugueses já demonstraram ao longo dos anos, de grande união em torno desta medida! E da racionalidade da própria medida! Esta medida faz sentido! E não se compreende como é que um país com características como o nosso, com tanta exposição solar e as suas características meteorológicas, e a sua topografia, ainda não abriu esta porta que a directiva comunitária lhe permite! Já que Portugal é um dos países em que esta medida faz mais sentido, juntamente com Itália, Grécia e Espanha! R. Carmo: Mas qual é que acha que é o principal impedimento ou entrave a esta tomada de decisão? Miguel Tiago: Eu sinceramente, acho que se deve ao medo de um aumento da sinistralidade neste segmento! Está provado que a sinistralidade por motociclo diminui com a aprovação desta medida, mas obviamente, com o aumento do número de motociclos a circular há um ligeiro aumento no registo de incidentes com motociclos, mas isso é uma consequência lógica! Havendo mais motos, haverá mais acidentes com motos, ainda que em média os valores diminuam, e diminuam também os números de acidentes graves! Porque havendo mais motos, aumenta-se a consciência de todos os utilizadores das rodovias, para a existência de motos a circular! Isto porque mais sensibilizados vão estar os automobilistas para procurarem motos no trânsito. E esse efeito tem tendência a reflectir-se nos resultados, pois a pessoas não estão habituadas a ver e a cruzarem-se com os motociclos! E mais pessoas vão ficar a saber o que é conduzir um motociclo, e isso é muito importante! Mas há inegavelmente o medo político de que na estatística final, vão aparecer mais sinistros, ainda que não sejam mortes ou acidentes graves, basta que haja mais acidentes! Isso nenhum governo vai querer assumir de ânimo leve! Mas foi precisamente para atenuar qualquer contraposição que o nosso projecto-lei contempla a necessidade de um exame, mas atenção! Não se trata de um exame que tenha que ver com escolas de condução! Será um exame que ateste apenas a capacidade física, motora e psíquica do preponente para a condução de um veículo de duas rodas! Não é frequência de curso com determinado número de aulas. Não se trata de nada disso! Será um exame, em que bastará apresentar a carta de condução de categoria B, e fazer um pedido de averbamento da categoria A1. E em local a determinar, o preponente apresenta-se e submete-se ao exame. Mesmo que para isso haja uma taxa de valor razoável, pois temos que compreender que há que criar uma pequena infra-estrutura de apoio a esta medida! Há que confiar nas pessoas, e partir do princípio que quem se apresenta a exame, já sabe conduzir um motociclo, e dar ao próprio preponente a hipótese de, se assim o entender, recorrer a uma escola de condução para frequentar as aulas que entenda necessárias para se poder apresentar no dito exame! Isso até seria louvável, apesar de esta lei a isso não obrigar! Mas não seria um requisito, pois isso iria subverter o princípio que a directiva pressupõe.